A Tristeza Parasitaria Bovina (TPB) é uma doença causada pelos hemoparasitas dos gêneros Babesia e Anaplasma, os quais são responsáveis por significativos prejuízos na bovinocultura ao redor do mundo.
Dentre as espécies do gênero Babesia que infectam bovinos, no Brasil são descritas as espécies Babesia bigemina e Babesia bovis, ambas parasitam as células vermelhas do sangue - hemácias - causando a Babesiose bovina. Esta doença é caracterizada por febre, anemia, fraqueza, sangue na urina, icterícia e às vezes sintomas nervosos, como fúria, pedalagem e opistótomo, podendo evoluir para o óbito. Estes sinais nervosos são evidentes na fase aguda da infecção causada por B. bovis.
Na maioria dos animais a Babesiose bovina se apresenta na forma crônica, e os sintomas são difíceis de serem caracterizados, pois não são específicos para a doença, ou seja, podem ser confundidos com outras enfermidades dos bovinos. Nessa fase a doença causa perda da produção de carne, leite e pode levar a abortamentos, infertilidade e debilidade orgânica. Considerada a espécie mais patogênica (causa lesões mais graves), B. bovis é responsável pelos sinais clínicos nervosos, pois as células vermelhas infectadas apresentam afinidade para se aderirem à parede de capilares (vasos menores), inclusive os cerebrais e renais.
No Brasil, a transmissão de B. bovis e B. bigemina é feita biologicamente pelo carrapato Rhipicephalus (Boophilus) microplus. Durante o seu ciclo biológico no hospedeiro definitivo - o carrapato - as Babesias adquiridas durante o repasto sanguíneo em bovinos infectados multiplicam-se nas células intestinais desses ectoparasitas, originado o macro e microgameta. Após a fusão dos gametas, há formação do zigoto, o qual invade as células do epitélio intestinal do carrapato. Posteriormente, os oocinetos que emergem da parede celular passam para a hemolinfa e desta para diferentes órgãos, chegando aos ovários. Desta forma, os ovos das fêmeas já contêm as Babesias, sendo este tipo de transmissão conhecida como transovariana ou vertical. Com o desenvolvimento dos ovos, as larvas infectadas e fixadas nos bovinos são aptas a transmitir B. bovis. Por outro lado, apenas as ninfas e adultos transmitem B. bigemina. Assim, durante o repasto sanguíneo, os carrapatos infectados podem transmitir as espécies de Babesia para um bovino susceptível. Uma vez dentro das hemácias do hospedeiro, as Babesias se multiplicam assexuadamente (SUAREZ et al., 2019).
Diferentemente da Babesiose, a Anaplasmose bovina é uma doença causada pela bactéria intraeritrocítica obrigatória Anaplasma marginale (anteriormente classificada como Rickettsia). Apesar de outras espécies do gênero Anaplasma acometerem bovinos - ex.: A. centrale - A. marginale é a espécie mais patogénica e responsável por maiores prejuízos econômicos.
Uma vez infectados, os bovinos podem desenvolver anemia hemolítica, icterícia, febre, perda de peso e letargia. Adicionalmente, pode haver queda na produção, abortos e a morte dos animais parasitados (KOCAN et al., 2010). Os bovinos que sobrevivem a fase aguda da doença permanecem infectados ao longo da vida. Nesta fase, os animais possuem baixos níveis de parasitemia, porém, ainda são reservatórios do patógeno e fontes de infecção para vetores artrópodes e hospedeiros vertebrados.
A transmissão do A. marginale é realizada biologicamente por aproximadamente 20 espécies de carrapatos - ex.: R. microplus e Dermacentor andersoni - mecanicamente por insetos hematófagos - ex.: mosca dos estábulos (Stomoxys calcitrans) e mosca dos chifres (Haematobia irritans) - ou por fômites, tais como agulhas contaminadas com sangue infectado (RICHEY, 1981; KOCAN et al., 2004, 2010). Após um período de incubação (7 a 60 dias; média 28 dias), há um aumento do número de bactérias, podendo resultar nos sinais clínicos descritos acima. O ciclo de desenvolvimento do A. marginale dentro do carrapato é complexo e inicia-se com a ingestão de hemácias parasitadas durante o repasto sanguíneo em um bovino infectado. Após o período de desenvolvimento nas células do intestino do artrópode, vários outros tecidos, incluindo as glândulas salivares, local onde a forma vegetativa se multiplica dentro de vacúolos, por divisão binária, são acometidos. Por fim, há o desenvolvimento das formas infectantes, denominadas de corpúsculos densos, e o A. marginale é transmitido para um novo hospedeiro durante o repasto sanguíneo (KOCAN et al., 2010).
Os custos da Anaplasmose Bovina para a indústria norte e latino-americana são estimados em U$ 300 milhões e 800 milhões anuais, respectivamente, seja por perda de peso, redução na produção leiteira, abortamento ou mortalidade dos animais infectados (KOCAN et al., 2003). A doença pode ter consequências graves, principalmente quando bovinos suscetíveis oriundos de áreas não endêmicas são introduzidos em áreas onde a doença existe. Nesse caso, a mortalidade pode superar os 50% (BRAZ JR et al., 1995). Além disso, há comprometimento dos programas de melhoramento genético, baseados na importação de animais oriundos de áreas livres da doença (MACHADO, 1995). No Brasil, infelizmente, não há dados atuais disponíveis que retratem os prejuízos econômicos causados pela Anaplasmose na produção animal. Os problemas mais frequentes observados no campo são quedas da produção de leite, diminuição da produção de sêmen em animais de alto valor zootécnico e comercial, gastos excessivos com medicamentos e mão-de-obra e, muitas vezes, a perda dos animais.
Várias medidas de controle da TPB têm sido empregadas na tentativa de minimizar os impactos da doença. Tais medidas variam de acordo com a região geográfica e incluem a utilização de vacinas vivas atenuadas, combate aos vetores artrópodes, uso de antibióticos e a manutenção da estabilidade endêmica dentro do rebanho. Devido aos problemas ocasionados pela TPB atualmente, fica claro que todas as medidas utilizadas possuem limitações. O controle dos artrópodes não é facilmente empregado em algumas regiões, e quando realizado, protege parcialmente contra a transmissão dos agentes etiológicos da TPB, os quais são frequentemente transmitidos por fômites. Ainda, o uso de antibióticos possui um custo elevado, principalmente em grandes rebanhos, e quando não utilizados de forma correta podem deixar resíduos na carne e leite, além de acelerar o processo de resistência desses microrganismos (KOCAN et al., 2010; SUAREZ et al., 2019).
De forma similar, o uso de vacinas contra a TPB, principalmente utilizando organismos vivos atenuados ou com espécies menos patogênicas, tem sido empregado por mais de 100 anos (FLORIN-CHRISTENSEN et al., 2014; QUIROZ-CASTAÑEDA et al., 2016), deixando claro que as abordagens necessitam ser aprimoradas para um melhor controle da enfermidade. Ainda, a imunização utilizando organismos vivos possuem limitações na sua produção, armazenamento e, além disso, há possibilidade de contaminação com outros agentes a reversão da virulência (SUAREZ et al., 2019). Nesse sentido, após o sequenciamento genômico desses agentes, novas estratégicas para o desenvolvimento de vacinas mais eficazes têm sido utilizadas. Atualmente, diversos estudos ao redor do mundo concentram-se na identificação de novos alvos. Dentre esses, as proteínas imunodominantes de A. marginale, MSP1 e MSP2, foram consideradas boas candidatas para induzir proteção. Entretanto, devido à falta de sucesso usando tais proteínas, o foco do desenvolvimento de vacinas contra A. marginale tem se voltado para as proteínas de membrana subdominantes (FLORIN-CHRISTENSEN et al., 2014).
Similarmente, os antígenos de superfície de merozoítos - MSAs: merozoite surface antigens - são considerados bons alvos para o desenvolvimento de vacina contra B. bovis. Essas MSAs consistem em ao menos cinco antígenos, incluindo MSA-1 e quatro antígenos da família MSA-2 (MSA-2c, MSA-2a1, MSA-2a2 e MSA-2b), os quais atuam na ligação entre os merozoítos de B. bovis e as hemácias do hospedeiro durante o processo de invasão dessas células (TATTIYAPONG et al., 2016). Vale ressaltar que, assim como em A. marginale, a alta diversidade genética de B. bovis reportada por estudos recentes (MATOS et al., 2017; MENDES et al., 2019), pode ser um entrave no desenvolvimento de vacina contra este protozoário.
O diagnóstico da TPB é importante e deve preceder ao tratamento do animal doente. O mesmo pode ser realizado clinicamente, entretanto, necessita de confirmação utilizando testes laboratoriais.
Quando o animal está na fase aguda da doença, esfregaços sanguíneos corados são utilizados nos diagnósticos diretos, e nesta fase da doença os parasitas ocorrem mais facilmente na circulação sanguínea, portanto, facilmente identificáveis. Entretanto, se os animais estão na fase crônica da doença a identificação dos parasitas fica muito difícil. Além disso, tal abordagem pode levar a resultados falso-positivos quando o pesquisador confunde grânulos de precipitação de corantes sobre as hemácias com os parasitas localizados dentro das mesmas.
Mais recentemente, as técnicas moleculares, ou seja, detecção de DNA pela reação em cadeia da polimerase (PCR) - dirigida para os genes MSP's, MSA's ou 18S - dos parasitas pode auxiliar no diagnóstico, principalmente em infecções por B. bovis, cujos parasitas ocorrem em pequeno número na circulação. Atualmente, inúmeras variações desta técnica estão disponíveis. Dentre elas podemos destacar os ensaios de PCR em tempo real (qPCR) e a amplificação isotérmica mediada por loop (LAMP). Tais ensaios têm trazido maior sensibilidade, especificidade e rapidez.
Diferentemente dos ensaios supracitados, nos ensaios indiretos detecta-se anticorpos anti-Babesia e anti-Anaplasma no soro dos bovinos sob análise. Dentre as diferentes técnicas atualmente disponíveis, a Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI) e o Ensaio Imunoenzimático (ELISA), são amplamente utilizadas e consideradas de grande importância.
Como substrato antigênico na RIFI, utiliza-se esfregaços de sangue parasitados por B. bovis ou B. bigemina. Os anticorpos presentes no soro do animal fixam-se ao substrato antigênico, e a reação antígeno-anticorpo é revelada por anticorpos anti-IgG de bovino acoplado a uma substância fluorescente, sendo a leitura da lâmina realizada em um microscópio equipado com luz fluorescente. Esta técnica apresenta boa sensibilidade e especificidade.
Por outro lado, o ELISA utiliza antígenos recombinantes obtidos por meio da clonagem e expressão heteróloga de proteínas específicas. Os antígenos de Babesia spp. (ex: RAP-1) e A. marginale (ex: MSP-5) são adsorvidos a placas de poliestireno e, posteriormente, os soros controles - positivo e negativo - assim como os soros de animais suspeitos da doença, são adicionados aos poços da placa. Após um período de incubação, acrescenta-se o conjugado, anticorpos anti-IgG de bovino ligados a uma enzima fosfatase alcalina ou peroxidase. Posteriormente, revela-se a reação antígeno-anticorpo com a utilização de um substrato da enzima utilizada. Por fim, as placas são levadas para leitura em um aparelho de ELISA, onde o resultado é expresso numericamente, facilitando sua interpretação. Este ensaio apresenta alta sensibilidade e especificidade, tendo como vantagem adicional à rapidez na avaliação de muitas amostras de soro simultaneamente.
Atualmente, a Imunodot aguarda o deferimento de pedido de registro junto ao MAPA do kit:
- IMUNOTESTE - Anaplasma marginale (ELISA) - Bovino