A tripanossomose é uma enfermidade com distribuição mundial causada por membros do gênero Trypanosoma (filo Euglenozoa, classe Kinetoplastida e família Trypanosomatidae) que afeta humanos, animais domésticos e selvagens. Dentre as espécies do gênero Trypanosoma que ocorrem na América do Sul, Trypanosoma vivax possui grande importância na medicina veterinária (OSÓRIO e al., 2008; CASTELLI et al., 2021).
Diferentemente do Trypanosoma cruzi que se originou na América do Sul, T. vivax foi introduzido na América em meados do século 19 por meio de um rebanho bovino oriundo de Senegal, trazido para os territórios da Guiana Francesa e Antilhas (LERGER e VIENNE 1919; FABRE e BERNARD 1926). No Brasil, os primeiros relatos da ocorrência de T. vivax em bovinos e búfalos ocorreram no estado do Pará (BULHOSA, 1946; SHAW e LAINSON, 1972). Desde então, graças ao aumento do comércio e transporte de bovídeos, o protozoário tem sido disseminado pelo Brasil, e surtos da doença em bovinos foram reportados em vários estados (SILVA et al., 2006; BATISTA et al., 2007; CADIOLI et al., 2012; BASTOS et al., 2017; CASTILHO NETO et al., 2021).
Apesar do grande impacto econômico na bovinocultura, no Brasil, T. vivax também tem sido detectado em bubalinos (GALIZA et al., 2011), ovinos (GALIZA et al., 2011), caprinos (BATISTA et al., 2009) e equídeos (SILVA et al., 2011; RODRIGUES et al., 2015). Diferentemente do que ocorre no continente Africano, o papel dos animais silvestres na manutenção desse parasito no território brasileiro ainda é desconhecido (FETENE et a., 2021).
A transmissão do T. vivax entre os hospedeiros mamíferos pode ocorrer de diferentes formas. Na África, na presença das moscas tsé-tsé (Glossina spp.), a transmissão ocorre de forma biológica com a multiplicação do parasito no sistema digestório do inseto, e subsequentemente com a inoculação das formas tripomastigotas durante o repasto sanguíneo. Nas Américas, na ausência dessas moscas, a transmissão ocorre de forma mecânica. Desta forma, artrópodes hematófagos como Tabanus spp., Stomoxys calcitrans e Haematobia irritans podem adquirir o parasito de um animal infectado e veiculá-lo no seu aparelho bucal sem que ocorra a multiplicação do protozoário. Durante um novo repasto sanguíneo, T. vivax que está no aparelho bucal do vetor hematófago pode ser transmitido para outro hospedeiro. Nesse cenário, o nível da parasitemia nos hospedeiros mamíferos e a frequência da hematofagia pelos vetores estão intimamente associados ao sucesso da transmissão mecânica. Ainda, T. vivax pode ser transmitido por fômites - ex. agulhas contaminadas - e por via transplacentária (OSÓRIO et al., 2008; CASTELLI et al., 2021).
Quando parasitados pelo T. vivax, os animais podem apresentar desde infecção assintomática até doença grave. Na América do Sul, os bovinos adultos infectados com T. vivax podem apresentar febre, anemia, letargia, edema, progressiva perda de peso, diminuição da produção de leite, distúrbios reprodutivos, aborto e epistaxe. Nos casos graves, os animais desenvolvem sinais neurológicos como dismetria, ataxia, fraqueza muscular e morte súbita. Os animais que se recuperam da doença podem tornar-se reservatórios com baixa parasitemia, ou mesmo com níveis indetectáveis do parasito circulantes no sangue. Nesses casos, o protozoário pode ser detectado nos linfonodos, olhos, líquido cefalorraquidiano e mais recentemente na gordura e pele (MACHADO et al., 2021). Durante o período de baixa ou indetectável parasitemia, o agente pode ser facilmente disseminado pelo comércio e transporte de animais infectados. Este processo tem favorecido a expansão territorial de ocorrência do T. vivax (OSÓRIO et al., 2008; CASTELLI et al., 2021).
Embora o real impacto financeiro causado pela tripanossomose bovina na pecuária brasileira seja difícil de ser mensurado, em estudo conduzido no estado de Minas Gerais durante um surto da doença, os autores reportaram que houve redução de 27% e 42% na produção de leite e na taxa de prenhes, respectivamente. Além disso, das 235 cabeças do rebanho, nove animais morreram, 11 casos de abortos foram registrados e muitos bovinos foram descartados. Houve também custos de com tratamento dos animais (aceturato de diaminazeno [total = R$ 6.400,00 – R$ 19,87 por tratamento]) (ABRÃO et al., 2009). Atualmente, com a alta dos preços dos medicamentos, aliado a necessidade de monitoramento e tratamento contínuo, principalmente nos rebanhos mantidos em áreas com alta ocorrência da enfermidade, o proprietário pode se deparar com grandes desafios. Além do aceturato de diaminazeno, o cloreto de isometamidium também é usado no combate da infecção causada pelo T. vivax. O fármaco possuí propriedades curativas, profiláticas e foi inicialmente utilizado para o combate do T. congolense e T. vivax na África. Após aplicação, a duração da atividade profilática, geralmente, dura cerca de 2-3 meses. Entretanto, pode variar em função da dosagem, formulação, cepa do parasito e do estado de saúde do animal. Desde de seu lançamento em 1960, o isometamidium continua ser amplamente utilizado no combate da tripanossomose. Entretanto, relatos de resistência têm sido reportados em países Africanos e na América do Sul (GIORDANI et al., 2016; TEREFE et al., 2018; CASTILHO NETO et al., 2021). Acredita-se que a subdosagem seja determinante no desenvolvimento de resistência ao fármaco no campo por meio da exposição do parasita a baixas concentrações do princípio ativo (LEACH e ROBERTS, 1981).
O controle da doença deve ser realizado de forma estratégica. Deve-se restringir o movimento dos animais doentes, realizar o monitoramento epidemiológico do rebanho, combate aos vetores hematófagos e o tratamento dos animais (DWINGER e HALL, 2000). Para um tratamento eficiente contra a tripanossomose é necessário mais do que apenas a correta administração dos fármacos. A recuperação dos animais é profundamente influenciada por fatores nutricionais, controle de doenças virais, bacterianas e das infecções causadas por helmintos. Animais livres de infecções concomitantes, bem alimentados e descansados, tendem a se recuperar mais rapidamente da doença após o tratamento quando comparado aos animais desnutridos e que precisam percorrer longas distâncias para alcançar pastagens e água (OSÓRIO et al., 2008).
O diagnóstico da infecção por T. vivax pode ser realizado com base nos sinais clínicos associado aos métodos parasitológicos, sorológicos e moleculares. Metodologias de baixo custo e fácil execução tais como as técnicas de microhematócrito, esfregaço sanguíneo e buffy coat são testes rotineiramente utilizados no Brasil. Entretanto, possuem baixa sensibilidade, principalmente em baixas parasitemias (WOO, 1970; CORTEZ et al., 2009). Dentre as abordagens sorológicas, as técnicas de RIFI e ELISA possuem boa sensibilidade e permitem a avaliação de um grande número de amostras simultaneamente. Porém, problemas com reações cruzadas, principalmente em áreas endêmicas para T. evansi, podem ocorrer (ARAÚJO et al., 1997). Nesse sentido, a utilização de proteínas recombinantes em ensaios de imunocromatografia (teste rápido) vem superando tais obstáculos. Como é de fácil execução e dispensa o uso de quaisquer equipamentos, pode ser realizada a campo. Utilizando as ferramentas moleculares, os ensaios de PCR, qPCR e LAMP demonstram alta sensibilidade e especificidade. Por outro lado, essas abordagens são mais onerosas, demandam equipamentos sofisticados e pessoal treinado para sua realização.
Atualmente, nossa empresa dispõe do kit de imunocromatografia para o diagnóstico sorológico da infecção causada por T. vivax em bovinos.